O homem tradicional foi treinado,
desde o nascimento, por uma sociedade burguesa e puritana, a ignorar a
existência do seu corpo. Todo o progresso do mundo ocidental foi mesmo baseado
na repressão sexual e, portanto, na negação do corpo.
O homem escravizado por minorias
privilegiadas precisava trabalhar, ao contrário do primitivo, que só tirava da
natureza o necessário para sua sobrevivência.
Assim, o primitivo possuía uma
sexualidade livre e o agricultor tradicional, ao contrário. Precisou reprimir
esta mesma sexualidade para pode dedicar-se ao trabalho. Este trabalho,
entretanto, não o beneficiava e, sim, aos senhores da terra que pertencia.
Assim, ao lado da escravização do
trabalho veio a repressão sexual.
Ainda hoje, quando esta situação
está em vias de ser rompida pelo advento de uma economia de abundância em que
não é mais necessário a escravização ao trabalho, o homem reage ao seu corpo em
padrões tradicionais. E o corpo nu é sentido, invariavelmente, com uma ameaça àqueles
a quem foi inculcado que a seriedade, a responsabilidade e o controle são
valores a serem construídos sobre a negação do corpo.
Nas sociedades primitivas, ao
contrário, a nudez é uma forma de adaptação à vida. O corpo é simplesmente
aceito como ele é. A criança costumava-se com a nudez desde o momento que
nasce. A cada instante, toma contato com a nudez global: a nudez das outras
crianças da sua idade, meninos e meninas, a dos adolescentes, das mulheres e
homens feitos, da mãe que espera o filho ou amamenta e também dos velhos.
Assim, a criança vai tomando uma
consciência profunda do sexo a que pertence e também daquele que não pertence.
A menina vai aprendendo que, se souber esperar, um dia ele também será mãe e o
menino que, se conseguir fazer bem feitas as ações masculinas que esperam dele,
será um homem forte, igual aos mais velhos.
Mas o nosso mundo ocidental
reprimido é um mundo de paredes. Desde que nascemos, as roupas nos separam de
nosso corpo. Assim como na infância as paredes das escolas separam as crianças
das diversas idades e dos dois sexos, as paredes dos escritórios, das fábricas
separam, mais tarde, os seres humanos das diversas classes.
O sexo
como tabu
Por isto, desde que nascemos,
temos uma noção menos nítida, mais obscura do ser humano, que os povos
primitivos. E, sem esta noção, nunca nos conhecemos e nos aceitamos
inteiramente. Por isso, a complexidade e a diversidade da maneira de viver no
mundo dos civilizados, as relações básicas entre os seres humanos e,
principalmente, entre o homem e a mulher são distorcidas.
As diferenças primárias entre
homens e mulheres são tão importantes que o seu conhecimento ou desconhecimento
na infância, modela de maneira diferente a visão e conhecimento que a criança
tem de si mesma, dos outros, da vida e do mundo em que vive. Antes de conhecer
intelectualmente, a criança conhece através do corpo e da reação dos outros a
sua feminilidade ou a sua masculinidade. Por isso, as crianças, primitivas
tornam a sexualidade a primeira identificação de si mesma.
Mas, no nosso mundo, o sexo é
tabu: não se pode tocar nos órgãos sexuais, não se pode vê-los, a realidade da
gravidez é cuidadosamente escondida das crianças, as palavras que designam os
genitais são substituídas por outras menos chocantes.
Enfim, o sexo é feio, é sujo.
Na nossa sociedade, pois a
diferença entre os sexos, tem que ver apenas com diferença de roupas, de
papéis, de privilégios. Mas na sociedade em que a diferença dos sexos é baseada
na diferença física, a criança se assume profundamente e inconsciente através
do seu sexo.
Evolução
do Papel da Mulher
Talvez o fato descoberto pela
psicanálise de que a mulher se considera um ser castrado, um homem incompleto,
provenha muito do obscurecimento do conhecimento do seu papel, do fato de
muitas mulheres viveram sós ou de muitas outras não terem filhos. Na sociedade
primitiva, ao contrário, era o homem que se sentia atemorizado diante do
mistério do nascimento da criança no corpo da mulher.
Assim, compensava este temor por
ritos de iniciação que consistem em imitar um novo nascimento (dentro do
homem). Hoje a inveja do pênis; na sociedade primitiva, a inveja do útero.
Assim, hoje inverteram-se os
papéis: no mundo primitivo, devido à evidência física, a mulher era considerada
como a mola biológica da espécie. No mundo ocidental reprimido, é o homem cheio
de privilégios que atemoriza a mulher...
E, uma vez que não é feia a
identificação física, o edifício é solapado nos seus alicerces: as outras
identificações, a sociológica e a psicológica, também não se fazem. Nem homem,
nem mulher sabem hoje qual é o exato papel de um em relação ao outro e dos dois
em construção do mundo. Só agora está se descobrindo a função sociológica da
mulher na superação do subdesenvolvimento, função esta que lhe foi negada
milenarmente. Só agora, também, está havendo uma descontração social em relação
à nudez e talvez estes dois fatos, o físico e o sociológico, estejam mais
intimamente correlacionados do que se pensa.
O homem e a mulher do mundo
tecnológico estão em vias rápidas de mutação. São mesmo mais diferentes de seus
pais tradicionais ainda vivos do que estes o eram dos egípcios ou dos gregos.
Com a automação e a difusão generalizada da informação, a repressão começa a
ceder. O papel do homem e da mulher está em vias de redefinição profunda. O
mundo do futuro ou será um mundo do homem e da mulher juntos, com o primitivo,
ou a humanidade caminhará para uma catástrofe total.
Cada vez mais em nossas praias,
homens e mulheres de todas as idades e condições exibem uma seminudez
descontraída. As crianças da idade tecnológica talvez se sintam mais integradas
no grupo humano por se sentirem integradas no grupo alegre e sadio da orla
marítima. Neste caso, viva Copacabana, Ipanema, Leblon, Guarujá,
institucionalização do encontro humano...
Polarização
do Nu
A polarização sobre o corpo nu só
pode ser superada quando este corpo for aceito realmente por todos como um dado
primeiro. A nudez erótica e clandestina
ainda é fruto da negação do corpo. A nudez aceita, global e natural, abre
caminho para a aceitação de si e do mundo, de uma maneira por nós ainda
desconhecida. Na nudez clandestina dos stripteases e das revistas
pornográficas, a mulher chega ao máximo do objetivação e desaparece como pessoa.
Seus seios expostos são explicitamente feitos para o prazer e implicitamente
negados para a maternidade.
Na nudez aceita, prazer e maternidade se integram. As diferenças
básicas que foram feitas para a perpetuação da espécie retomam o seu papel. O
homem terá saciado a sede da forma da mulher, que lhe foi milenarmente negada.
E esta, também, terá reaprendido os caminhos do corpo do homem. Nem homem nem
mulher procurarão no outro um fantasma, uma forma exterior, como hoje procuram.
Eles saberão que debaixo de uma forma perfeita pode esconder-se um ser
neurótico, reprimido ou incapaz de amar. Saciados da forma não se prenderão
mais nela e irão ai íntimo do de gozar e de amar, o erotismo em toda a sua
pujança que independe de forma e até de idade.. O prazer então liberto poderá
brotar do ser profundo de um, para o ser profundo de outro.
E assim, homem e mulher poderão
realmente vir a amar-se a integrar-se...
Rose-Marie Muraro
Fonte: Revista de Cultura “Vozes” N° 1 Janeiro\Fevereiro de
1971
Publicado na Revista Brasil Naturista nº 08 Dez/Jan/Fev 2009
Publicado no livro “Verdades que as roupas escondem” em 2009